Direito Penal Econômico: Extinção da punibilidade do acusado pelo pagamento integral do débito tributário perseguido

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Direito Penal Econômico: Extinção da punibilidade do acusado pelo pagamento integral do débito tributário perseguido

William Henrique Willms

25/10/2022

Neste artigo iremos abordar, resumidamente, a possibilidade jurídica
para defesa trazida pela Lei n. 10.684/2003, no que concerne ao direito de extinção da
punibilidade do acusado que é alvo de persecução criminal em virtude do pagamento
integral do débito tributário perseguido.

Como se é de conhecimento comum o exercício da atividade
empresarial no Brasil é mesmo tarefa árdua, dotada de diversos desafios e
responsabilidades para todos os empresários e empresárias que se aventuram no
campo da iniciativa privada.

Nessa ordem de ideias, não são raras as ocasiões em que muitos
empresários não conseguem arcar com as obrigações tributárias derivadas de suas
respectivas empresas, por motivos alheios a sua vontade (ou não), podendo estes
incorrem em uma série de crimes tributários tipificados pela Lei n. 8.137/1990, por
figurarem como sócios-administradores no quadro societário, conforme
reiteradamente ocorre em processos criminais envolvendo a apuração da prática do
famigerado delito de sonegação fiscal.

No exemplo do delito de sonegação fiscal é importante lembrar que a
natureza do tributo devido definirá a competência para sua apuração e posterior
julgamento. Tal como se o imposto devido pertencer aos Estados federados ou aos
Municípios, será competente para julgá-lo a Justiça Comum Estadual, ou no caso de o
imposto devido pertencer a União, será competente a Justiça Especializada Federal.

Superadas tais questões preliminares, passa-se ao ponto nevrálgico do
presente escrito: a possibilidade legal de a quitação integral do débito tributário devido
ensejar na extinção da punibilidade do “agente sonegador”, com o consequente
arquivamento da denúncia criminal.

Esta premissa defensiva parte do que dispõe expressamente a redação
do art.9º, §2º, da Lei n. 10.684/2003. Vejamos:

Art. 9º É suspensa a pretensão punitiva do Estado, referente aos
crimes previstos nos arts. 1º e 2º da Lei nº 8.137, de 27 de dezembro
de 1990, e nos arts. 168-A e 337A do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de
dezembro de 1940 – Código Penal, durante o período em que a pessoa
jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída
no regime de parcelamento.
[…]

§ 2º Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos neste artigo
quando a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o
pagamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições
sociais, inclusive acessórios.

Da leitura do dispositivo legal acima, nota-se que o legislador não
fixou um limite temporal
dentro do qual o adimplemento da obrigação tributária e seus
acessórios significaria a extinção da punibilidade do agente pela prática da sonegação
fiscal.

Nesse sentido firmou-se a jurisprudência do col. SUPERIOR TRIBUNAL
DE JUSTIÇA:

CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. CONDENAÇÃO
TRANSITADA EM JULGADO. PAGAMENTO DO TRIBUTO. CAUSA DE
EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. ARTIGO 9º, § 2º, DA LEI 10.684/2003.
COAÇÃO ILEGAL CARACTERIZADA. CONCESSÃO DA ORDEM DE
OFÍCIO.

  1. Com o advento da Lei 10.684/2003, no exercício da sua
    função constitucional e de acordo com a política criminal adotada, o
    legislador ordinário optou por retirar do ordenamento jurídico o
    marco temporal previsto para o adimplemento do débito tributário
    redundar na extinção da punibilidade do agente sonegador, nos
    termos do seu artigo 9º, § 2º, sendo vedado ao Poder Judiciário
    estabelecer tal limite.
  2. Não há como se interpretar o referido dispositivo legal de
    outro modo, senão considerando que o pagamento do tributo, a
    qualquer tempo, até mesmo após o advento do trânsito em julgado
    da sentença penal condenatória, é causa de extinção da punibilidade
    do acusado.
  3. Como o édito condenatório foi alcançado pelo trânsito em
    julgado sem qualquer mácula, os efeitos do reconhecimento da
    extinção da punibilidade por causa que é superveniente ao aludido
    marco devem ser equiparados aos da prescrição da pretensão
    executória.
  4. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício
    para declarar extinta a punibilidade do paciente, com fundamento
    no artigo 9º, § 2º, da Lei 10.684/2003.
    (HC 362.478/SP, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA,
    julgado em 14/09/2017, DJe 20/09/2017).

Ainda, nesse mesmo entendimento da Corte Superior:

CRIMINAL. HC. CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA.
FORMAÇÃO DE QUADRILHA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. LEI
10.684/03. PAGAMENTO INTEGRAL DO DÉBITO. COMPROVAÇÃO.
EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. CONTINUIDADE DELITIVA. CRIME
ÚNICO. QUITAÇÃO DA DÍVIDA TRIBUTÁRIA. NÃO
DESCARACTERIZAÇÃO DO DELITO DE QUADRILHA. INEXISTÊNCIA DE
VÍNCULO ASSOCIATIVO. ILEGALIDADE NÃO VERIFICADA.
IMPROPRIEDADE DO WRIT. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA.

Hipótese na qual os pacientes foram denunciados pela suposta
prática do crime previsto no art. 1º, incisos I, II e IV, da Lei n.º 8.137/90,
c/c art. 71 do Código Penal, e art. 288 do Estatuto Repressor.
Comprovado o pagamento integral do débito tributário, incide, à
hipótese dos autos, o § 2º do art. 9º da Lei n.º 10.684/2003,
ensejando o trancamento da ação penal, eis que extinta a
punibilidade. Precedentes do STF e desta Corte.

[…]
Deve ser reformado o acórdão recorrido, determinando-se o
trancamento da ação penal instaurada contra os pacientes apenas
quanto ao crime tributário, em virtude da extinção da punibilidade
pelo pagamento integral do débito. Ordem parcialmente concedida,
nos termos do voto do Relator.

(STJ – HC: 50157 SC 2005/0193492-0, Relator: Ministro GILSON
DIPP, Data de Julgamento: 07/11/2006, T5 – QUINTA TURMA, Data de
Publicação: DJ 18.12.2006 p. 416)

Logo, a partir destes fundamentos, verifica-se que é possível
juridicamente obter a extinção da punibilidade dos crimes fiscais materiais previstos na
Lei n. 8.137/1990 quando, de fato, estiver certificado o pagamento integral do débito
fiscal perseguido na denúncia oferecida. Aliado a isso na ótica da jurisprudência da col.
SUPREMA CORTE entende-se que “a nova lei tornou escancaradamente clara que a
repressão penal nos crimes contra a ordem tributário é apenas uma forma reforçada
de execução fiscal.”
(AP 516 ED, Relator: Min. AYRES BRITTO, Relator p/ Acórdão: Min.
LUIZ FUX, Tribunal Pleno, Julgado em 05/12/2013).

Desse modo, tais razões sustentadas acima, nos parecem suficientes a
autorizar o reconhecimento da extinção da punibilidade de acusados com relação a
suposta prática do crime tributário previsto no art. 1º, inc. II, da Lei n. 8.137/1990 –
Sonegação Fiscal –, em decorrência da quitação integral do débito tributário que deu
ensejo ao oferecimento da denúncia [Notificação Fiscal emitida], independentemente
da certificação de trânsito em julgado do processo criminal, podendo ser extinta a qualquer tempo, inclusive em fase de execução da pena alcançando assim a pretensão
executória estatal.


Escrito por: William Henrique Willms. Advogado Criminalista. Pós-graduando em Direito Penal e Processo Penal pelo Instituto Brasiliense de Direito Público – IDP/DF. Membro consultivo da Comissão de Direito Penal Econômico da OAB/SC.

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