A diversidade e a participação das mulheres e dos grupos minorizados na política constituem pilares indispensáveis para a construção de uma democracia verdadeiramente igualitária. A dificuldade histórica em ampliar o número de mulheres eleitas jamais esteve vinculada à falta de interesse feminino pela vida pública, equívoco repetido durante décadas. Como demonstra Sérgio Silveira Banhos, ex-ministro do TSE, em sua obra A Participação das Mulheres na Política, embora as mulheres representem cerca de 40% das filiadas aos partidos políticos, essa presença não se converte em representação efetiva devido à persistente desigualdade de oportunidades dentro das estruturas partidárias.
O problema, portanto, não reside na ausência de mulheres no ambiente político, mas na falta de condições materiais para sua ascensão. Os partidos ainda funcionam como filtros seletivos: permitem o ingresso, mas dificultam o avanço. A sub-representação feminina decorre de barreiras estruturais que impedem que sua capacidade de articulação, engajamento e força de trabalho se transformem em candidaturas competitivas. Alterar esse cenário exige a criação de condições reais de paridade, como distribuição equitativa de recursos partidários e eleitorais, apoio técnico consistente, acesso às instâncias decisórias e suporte estratégico permanente. Sem isso, a disputa eleitoral permanece desigual antes mesmo de começar.
Todavia, igualdade material não basta. É igualmente necessário que as mulheres se sintam seguras para permanecer na política, física, emocional, institucional e simbolicamente. É nesse ponto que a violência política de gênero se revela uma das mais contundentes ameaças à democracia contemporânea. Segundo o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, tal violência compreende atos físicos, psicológicos, econômicos, simbólicos ou sexuais destinados a impedir, restringir ou dificultar a participação política das mulheres, alcançando candidatas, eleitas, ocupantes de cargos públicos e dirigentes partidárias.
Essa violência pode assumir formas simbólicas, como quando instituições reforçam estereótipos e invisibilizações (a exemplo da histórica ausência de banheiro feminino no Senado); psicológicas, por meio de interrupções, menosprezo, intimidação ou ameaças; econômicas, pela distribuição desigual de recursos; sexuais, com comentários sobre corpo ou assédio; e até físicas, mediante agressões diretas. Trata-se de um fenômeno estrutural cujo objetivo é excluir mulheres do espaço político, e que, por isso, constitui uma das principais causas da sub-representação feminina.
A combinação entre baixo investimento partidário em campanhas de mulheres, resistência à ascensão de lideranças femininas, jornada dupla ou tripla que limita networking e presença nos territórios, somada à violência verbal, simbólica, digital ou institucional, produz um ambiente de profunda hostilidade. Nesse contexto, a Lei nº 14.192/2021 representou um marco civilizatório ao tipificar o crime de violência política de gênero. Pela primeira vez, o ordenamento jurídico definiu de forma expressa essas condutas e previu mecanismos para preveni-las e puni-las. O ponto central da norma é a inclusão do art. 326-B no Código Eleitoral, que criminaliza atos destinados a impedir, restringir ou dificultar o exercício dos direitos políticos de uma mulher em razão de seu gênero, incluindo assédio, discriminação, humilhação, ameaças ou perseguição.
A lei também reconhece que tais condutas não fazem parte do debate político, mas configuram violações graves a direitos fundamentais e ao próprio princípio democrático. Além disso, impõe responsabilidade direta aos partidos, exigindo políticas internas de prevenção e acolhimento, e permitindo responsabilização por omissão ou tolerância a práticas de violência. Apesar disso, sua eficácia depende de conhecimento técnico e sensibilidade institucional, para que violência política não seja confundida com “briga eleitoral”, mas tratada como forma específica e estruturada de silenciamento. Como destaca Raquel Branquinho, coordenadora nacional de enfrentamento à violência política de gênero, a proteção normativa só se concretiza com compreensão institucional sobre o fenômeno.
Quando uma mulher é atacada, humilhada ou ameaçada por exercer sua função política, o impacto é profundo: muitas se afastam, retornam ao espaço doméstico e interrompem trajetórias vocacionadas para a vida pública. Esse ciclo reforça um estereótipo arcaico: o de que o espaço público pertence aos homens, e às mulheres caberia apenas o privado. Assim, a violência política opera como mecanismo silencioso de expulsão, afastando mulheres da política para protegerem sua integridade.
A representatividade de grupos minorizados também é essencial. Quanto mais diversas forem as perspectivas presentes nos espaços de poder, mais amplas, profundas e qualificadas serão as deliberações, e mais legítimas as políticas públicas resultantes. A diversidade não beneficia apenas mulheres, pessoas negras ou grupos LGBTQIA+, beneficia toda a sociedade. Estudos demonstram que, quando grupos historicamente excluídos se veem representados, há aumento de confiança pública, engajamento político e eficácia das políticas. É por meio dessa presença que desigualdades estruturais podem ser enfrentadas com a perspectiva de quem vivência tais realidades.
Por isso, é indispensável que a pluralidade brasileira, diversa, complexa e multifacetada, esteja refletida nos espaços de tomada de decisão. Quanto mais fiel o espelhamento entre sociedade e suas lideranças, mais forte, inclusiva e legítima será a democracia.
À luz da Constituição, que consagra a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), o pluralismo político (art. 1º, V), a cidadania (art. 1º, II), a igualdade entre homens e mulheres (art. 5º, I) e o objetivo fundamental de promover o bem de todos sem preconceitos (art. 3º, IV), torna-se evidente que ampliar a presença feminina e de grupos minorizados não é concessão, mas exigência constitucional. Garantir condições iguais de participação, enfrentar a violência política de gênero e assegurar oportunidades equânimes dentro dos partidos não é apenas cumprimento da lei, mas realização da própria finalidade constitucional: construir uma sociedade livre, justa e solidária, em que todas as pessoas possam exercer plenamente seus direitos políticos.
A superação de estereótipos, a eliminação de barreiras e a construção ativa de condições reais para que as próximas gerações encontrem uma política mais igualitária entre homens e mulheres, e entre todos os grupos, é caminho necessário para que possamos existir, participar e ser respeitados em um mundo verdadeiramente plural.
Por: Dayane Rêgo Oliveira | OAB/SC 72.510 | Bertol Sociedade de Advogados