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O caso é debatido na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 1.625, que está parada no gabinete do ministro Gilmar Mendes após um pedido de vista feito em outubro do ano passado. Com uma mudança recente no regimento interno da Corte, o tema deverá ser julgado a partir de junho.
Isto porque uma nova regra aprovada pelos ministros estabelece um limite de 90 dias para a devolução de vista. Ministros cujos pedidos de vista já haviam sido formulados, como Gilmar Mendes, têm 90 dias úteis antes da liberação automática para julgamento.
Apesar disso, a apreciação da ADI 1.625 ainda poderá ser paralisada por um novo pedido de vista ou um destaque. Neste último caso, o julgamento será reiniciado e levado a plenário. Os votos de ministros aposentados ou falecidos continuam valendo, graças a uma regra aprovada em junho do ano passado.
O que será julgado na ação?
O julgamento não trata especificamente dos impactos da Convenção nº 158 da OIT ou da proibição da demissão sem justa causa no Brasil. O tema em discussão é a constitucionalidade do Decreto nº 2.100/1996, editado pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso, que cancelou a adesão do Brasil à Convenção sem a chancela do Congresso.
Segundo Otávio Pinto e Silva, professor do departamento de Direito do Trabalho da Universidade de São Paulo, quando a convenção foi ratificada, houve uma interpretação equivocada por parte da sociedade brasileira. “Muitos entenderam que, em caso de uma não motivação, a Justiça do Trabalho poderia ser provocada e o juiz teria, então, a prerrogativa de determinar reintegração do trabalhador ao posto de trabalho.”
Por isso, o então presidente decidiu denunciar a convenção, para evitar uma situação de insegurança jurídica. Mas ele esbarrou em um artigo da Constituição Federal que estabelece a competência exclusiva do Congresso para “resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional”.
Esse foi um dos argumentos centrais da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) para, em 1997, questionar no STF a possibilidade de o Brasil deixar de aplicar tratados internacionais já incorporados ao ordenamento nacional sem a aprovação prévia do Parlamento.
Placar atual
A história da ADI 1.625 na Corte é uma sucessão de pedidos de vista. Votaram primeiro os ministros Maurício Corrêa, o relator, e Ayres Britto. Em seguida, o ministro Nelson Jobim pediu vista. Depois, foi a vez do ministro Joaquim Barbosa. O trâmite foi também interrompido pela ministra Ellen Gracie, que se aposentou antes de proferir o voto, e por Teori Zavascki. Hoje, todos estão fora dos quadros do Supremo. Dias Toffoli e Gilmar Mendes foram os últimos a paralisar o julgamento.
Após duas décadas, não existe uma maioria ou mesmo uma corrente majoritária. Os ministros relator e Ayres Britto votaram para determinar que a validade do decreto deve ser analisada pelo Congresso. Os ministros Nelson Jobim, Teori Zavascki e Dias Toffoli negaram por completo o pedido, reconhecendo a constitucionalidade da medida. Os demais, entre eles a presidente da Corte, entenderam que o chefe do Executivo não pode, sozinho, retirar o país de um tratado internacional.
Ainda faltam votar os ministros Gilmar Mendes, Nunes Marques e André Mendonça.
Resumo
- Decreto vale — Nelson Jobim, Teori Zavascki e Dias Toffoli (3)
- Decreto não vale — Rosa Weber, Ricardo Lewandowski e Joaquim Barbosa (3)
- Questão deve ser analisada pelo Congresso — Maurício Corrêa e Ayres Britto (2)
Do que trata a OIT 158?
A Convenção nº 158 da OIT é uma norma de Direito Internacional que visa regulamentar o término da relação de trabalho por iniciativa do empregador. Sua elaboração ocorreu no século passado, em um contexto de problemas econômicos e mudanças tecnológicas.
Otávio Pinto e Silva, da Faculdade de Direito da USP, explicou que um de seus pressupostos é que um trabalhador não deve ser dispensado a menos que exista uma causa justificada. Ela pode estar relacionada tanto à sua capacidade ou ao comportamento quanto baseada nas necessidades de funcionamento da empresa, como a falta de recursos para manter o profissional.
“Não é que a OIT e a Convenção nº 158 proíbam o rompimento do contrato de trabalho, não é isso. Ela [a norma] exige que se faça uma fundamentação no ato da despensa, de maneira que cabe à legislação interna de cada país estabelecer o procedimento para a fundamentação. É isso que está em jogo,” sumarizou o professor.
Lei complementar
Esta não é a primeira vez que o tema da validade da Convenção nº 158 da OIT é enfrentado. Em 1997, o então ministro Celso de Mello deu uma liminar afirmando que a norma é um texto programático, não “autoaplicável”. De acordo com o ministro, que depois foi seguido pela maioria, a convenção apenas traria diretrizes, muitas delas já incorporadas pelo Brasil.
A decisão ganha mais sentido diante de um dos artigos da Constituição, que fixa como direito dos trabalhadores a proteção contra a demissão arbitrária ou sem justa causa nos termos de lei complementar sobre o assunto. Mas essa lei não foi editada até hoje.
Para Alexandre Fragoso, sócio da área trabalhista de Briganti Advogados, o STF já julgou o problema da OIT 158 e “sepultou” qualquer possibilidade de eficácia jurídica da convenção. O advogado citou a obra do ministro Maurício Godinho Delgado, do Tribunal Superior do Trabalho (TST), na qual ele sustenta que a norma internacional é programática e há a necessidade de aprovação de uma lei complementar para trazer profundidade ao conteúdo do texto.
Fragoso deu um exemplo: “Ela [a convenção] fala assim ‘o prazo razoável’, mas qual é o prazo razoável? Ou seja, precisa de uma lei para tratar do que é um prazo razoável para o empregado discutir a validade ou não da demissão. Ma CLT e na Constituição Federal, a gente tem o prazo de dois anos. O empregado tem lá o prazo de dois anos para discutir qualquer tema do seu contrato de trabalho. Será esse o mesmo prazo razoável que a convenção está tratando? Textualmente a gente não sabe, porque ela é aberta. Ela traz uma diretriz. Caberia ao Congresso criar uma norma para trazer luz ao texto da Convenção 158 da OIT”.
Possíveis impactos
Atualmente, existem dois tipos de dispensa no Brasil, a com e sem justa causa. A CLT diz que, para um funcionário ser demitido por justa causa, ele deve cometer um erro grave, como ser flagrado bêbado em serviço, vazar segredos da empresa ou agir violentamente contra outra pessoa.
E isso continuará assim se os ministros do Supremo entenderem que o decreto assinado por Fernando Henrique Cardoso em 1996 é constitucional. A mudança ocorreria caso isso não aconteça.
Nas demissões sem justa causa, as empresas passariam a ter de motivar a demissão para que a dispensa seja “não arbitrária”. A motivação pode ser por questões financeiras da companhia ou por questões de mau desempenho do funcionário, por exemplo. Se a empresa não motivar a demissão, nesse caso, haveria uma demissão arbitrária. Caberia a uma lei federal a ser editada pelo Congresso Nacional disciplinar quais seriam as punições neste caso. A demissão por erros graves, por justa causa, permaneceria intacta.
Um trabalhador dispensado sem justa causa, hoje, tem direito a uma multa rescisória de 40% do FGTS. O medo das empresas, afirmou Viviane Rodrigues, do Cescon Barrieu Advogados, é que uma nova regulação traga consigo uma nova penalidade.
Mas não se sabe ao certo que pena seria essa, porque o Constituição se refere a uma indenização compensatória, enquanto a convenção abre espaço para uma negociação que resulte na volta do funcionário. “Então, a gente tem essa situação um pouco maluca. A Constituição determina que essa penalidade seria financeira e a convenção coloca que nós deveríamos ter uma possibilidade de reintegração desse empregado.”
Esse problema deveria ser sanado com a promulgação da lei complementar que regulamente o tema no Brasil, espera Rodrigues.
Modulação
Uma declaração de inconstitucionalidade do decreto de 1996 levaria a uma contestação de décadas de demissões sem justa. Por isso, todos os especialistas consultados pelo JOTA viram a necessidade de uma modulação de efeitos, isto é, a imposição de um limite temporal para a eficácia da decisão.
Todos os ministros votam para definir o intervalo.
Outro processo, mesmo objeto
Além da ADI 1.625, há outra ação em tramitação no Supremo que discute a validade do decreto presidencial, a ADC 39. A diferença é que esta é de 2015 e tem diante de si uma composição mais recente do Tribunal.
Até agora, já votaram quatro ministros. Dias Toffoli votou como na ADI 1.625 pela constitucionalidade do decreto. Edson Fachin votou pela inconstitucionalidade e foi acompanhado por Ricardo Lewandowski e Rosa Weber.
O andamento também foi paralisado por um pedido de vista de Gilmar Mendes.
Fonte: ARTHUR GUIMARÃES – Repórter em São Paulo. Atua na cobertura política e jurídica do site do JOTA.