A tutela antecipada requerida em caráter antecedente

1) Momentos para requerimento e concessão da tutela antecipada

Tal como a tutela se passa com a tutela cautelar, a tutela provisória de urgência de natureza antecipada pode ser requerida antes do ajuizamento da petição inicial, no bojo da petição inicial ou no curso do processo (arts. 294, parágrafo único e 303, CPC/2015).

De regra, o pedido de tutela antecipada é formulado pelo autor, mas também o réu pode requerer, desde que a contestação não se limite à formulação de defesas. Assim, tendo o réu formulado pretensão a seu favor (em reconvenção no procedimento comum ou em pedido contraposto nos procedimentos que o admitem, inclusive juizados especiais), em tese, é possível o pedido no sentido de que o juiz antecipe os efeitos da tutela final.

Requerida conjuntamente com o pedido de tutela final, os fatos e fundamentos jurídicos que autorizam a concessão da tutela antecipada constarão de tópico próprio da petição inicial da ação ou da reconvenção, na qual se deve demonstrar os requisitos para a concessão da medida, isto é, a probabilidade de o requerente sair-se vencedor na demanda e o perigo de dano decorrente da natural demora do processo. No capítulo dos requerimentos, figurará o pedido referente à tutela antecipada, que pode referir a tutela de qualquer natureza, inclusive a declaratória (por exemplo a sustação de um protesto).

Admite-se também o pedido de tutela antecipada em caráter incidental. Pode ser que no momento do ajuizamento da ação a parte não disponha de elementos necessários à concessão da tutela, mas depois da contestação, exemplificativamente, esses elementos afloraram. A tutela antecipada pode ser pedida em qualquer fase, inclusive em sede recursal. Nesse caso, o pedido será formulada em simples petição, dirigida ao juiz do feito, que conterá as alegações e indicação das provas referentes aos requisitos da tutela antecipada. Não haverá pagamento de custas, porque, se devidas, foram pagas quando da distribuição da ação. O analisará o pedido e, conforme o grau de probabilidade, exigirá ou não caução para a concessão da tutela pretendida. Pode ocorrer de não ser o caso de se deferir liminarmente a tutela assim requerida, então deve-se proceder à audição do réu.

2) Procedimento da tutela antecipada requerida em caráter antecedente

Os arts. 303 e 304 do CPC/2015 regulam a concessão da tutela antecipada em caráter antecedente. Essa possibilidade não era prevista no CPC/73. Ou se requeria na petição inicial, juntamente com o pedido principal, ou incidentalmente. No novo Código, dependendo do grau de urgência, se permite que a tutela antecipada seja formulada em petição inicial incompleta (que será complementada a posteriori).

Segundo a dicção do art. 303, CPC/2015, quando a urgência for contemporânea à propositura da ação, o requerente poderá, na petição inicial, limitar-se a requer o pleito antecipatório e a indicar o pedido correspondente à tutela final, com a exposição da lide, do direito que se busca realizar e do perigo de dano ou do risco ao resultado útil do processo. Mutatis mutandis, são os mesmos requisitos exigidos para a tutela cautelar requerida em caráter antecedente. Em razão da fungibilidade ou conversibilidade entre tais tutelas, o legislador não viu razão para se distinguir os procedimentos, ou melhor, de não viabilizar a concessão da tutela antecipada antes mesmo da apresentação da petição inicial na sua completude. De acordo com a técnica adotada, a completude dos fatos e fundamentos jurídicos do pedido e respectivas provas ou indicação delas são feitas depois da análise do pedido de tutela antecipada.

Essa possibilidade ocorre naqueles casos em que a urgência é de tal ordem que não é possível, sem extraordinário sacrifício do direito afirmado, aguardar o ajuntamento das provas e a elaboração, na sua completude, da petição inicial. Nessa hipótese de urgência – contemporânea à propositura da ação, embora possa ter surgido antes – a lei faculta ao autor que apresente apenas o pedido de tutela antecipada, com possibilidade de aditamento da petição inicial e a apresentação de novos documentos. Essa grande novidade trazida pelo Código privilegia a proteção ao direito ameaço e afasta, ao menos momentaneamente, o formalismo exigido para a propositura da ação; mais do que isso, essa modalidade de tutela antecipada, dependendo da postura do demandado, viabiliza a estabilização da tutela concedida, podendo tornar definitivo aquilo que foi concedido sob a marca da provisoriedade.

De acordo com a literalidade do Código, apenas a tutela antecipada requerida com fundamento na urgência admite esse procedimento – requerimento em petição incompleta, com possibilidade de estabilização. A contrario sensu do disposto no parágrafo único do art. 294, a tutela provisória da evidência somente pode ser requerida juntamente com o pedido de tutela final. Salvo a hipótese de vício, que enseja a emenda, ou outras hipóteses legais, não se faculta o aditamento posterior, tampouco a estabilização da tutela da evidência. E assim o é porque, em razão mesmo da evidência do direito postulado pelo autor, a concessão da tutela da evidência pode ser deferida de plano, independentemente de prova do perigo. Nada obsta, contudo, que diante das peculiaridades do caso concreto, à evidência se some a urgência no que se refere ao exercício do direito afirmado, não sendo possível, de antemão, ao autor ajuntar todas as provas necessárias à concessão da “tutela antecipada da evidência”. Ora, se o requisito da urgência, somado à probabilidade, autoriza a antecipação dos efeitos da decisão de mérito antes mesmo de se completar a petição inicial, o que dizer quando a probabilidade do direito é de tal ordem que dispensa a urgência. Não há dúvida de que, num juízo de ponderação, a probabilidade pesa mais do que o perigo de dano. Por outro lado, na tutela da evidência, o perigo da demora é ínsito à própria evidência. A evidência está presente em tal grau que o simples fato de o autor não usufruir desde já do direito afirmado já lhe causa dano. A urgência é in re ipsa. Já dissemos que o processo não se assemelha a ritual cabalístico. Deve-se reafirmar que não cabe ao aplicador do Direito ficar espiolhando cabelo em bola de bilhar. A distinção entre tutela de urgência e tutela da evidência constitui um excelente tema para ser debatido na academia, quiçá em tese de doutorado. Exigir que o juiz fique com balancinha em punho para medir o grau de probabilidade – principalmente para aferir se pode antecipar os efeitos da tutela em petição incompleta, se pode estabilizar os efeitos que foram antecipados – é a mais absoluta perda de tempo. E é o que o juiz do Século XXI não tem.

3) Requisitos da petição inicial da tutela antecipada requerida em caráter antecedente

Autoriza o novo Código que a tutela antecipada, com base na urgência, portanto, seja veiculada antecipadamente em petição simplificada, que será complementada (ou aditada) depois da analise da tutela de urgência. A tutela da evidência, num sentido genérico, também é antecipada, mas recebeu um nome próprio – “da evidencia” -, o qual, a par da sua pomposidade, indica que o juiz deve se contentar com a alta probabilidade do direito afirmado para antecipar os efeitos da decisão de mérito ao requerente.

Embora simplificada, a petição que veicula o pedido de tutela antecipada em caráter antecedente deve conter os requisitos do art. 319, CPC/2015, uma vez que será essa petição que instaurará a relação processual. O aditamento se restringirá à complementação da argumentação, à juntada de novos documentos e confirmação do pedido de tutela final (art. 303, §1º, inciso I. CPC/2015). Assim, embora de antemão se preveja o aditamento, a petição deve ser a mais completa possível, com indicação dos requisitos do art. 319, CPC/2015. O valor da causa deve levar em consideração o pedido de tutela final (art. 303, §4º, CPC/2015) e o pagamento das custas, na sua integralidade, deve ser efetivado no ato da distribuição (art. 303, §3º, a contrario sensu). Além dos requisitos genéricos do art. 319, deve a petição conter os seguintes requisitos específicos:

a) Exposição da lide. Deve-se compreender esse requisito como os fatos e fundamentos jurídicos do pedido, a pretensão do autor e a resistência do réu;

b) Probabilidade do direito afirmado e o perigo de dano ou do risco ao resultado útil do processo. Esses requisitos serão aferidos a partir dos fatos e fundamentos jurídicos, somados aos elementos que denotam a urgência na obtenção tutela antecipada (periculum in mora);

c) Indicação de que pretende se valer do benefício previsto no caput do art. 303, caput, que consiste na faculdade de apresentar uma petição incompleta, passível de aditamento após a análise do pedido de tutela antecipada e, o que é mais relevante, a estabilização da tutela eventualmente concedida. Pode ser que o demandante tenha interesse em obter uma tutela exauriente; exemplificativamente, não quer somente a retirada do seu nome do serviço de proteção ao crédito, pretende a declaração de que nada deve. Agora, se o demandante, atento ao disposto no §5º do mencionado dispositivo, afirma na inicial que pretende se vale do benefício previsto no caput, com possibilidade de estabilização, em última análise, está concordando com a extinção do processo, caso não proceda à emenda da inicial nos prazo assinado no prazo de 15 dias.

d) Requerimento da tutela antecipada, com a indicação da tutela final. Refere-se ao pedido mediato, ou seja, o bem da vida; por exemplo, a autorização antecipada para a que o autor possa submeter-se a uma cirurgia de urgência; nesse caso, como tutela final, deve-se indicar a condenação do plano de saúde a custear a dita cirurgia.

4) Cognição preliminar e apreciação do pedido de tutela antecipada liminar

O procedimento, em muitos aspectos, não se distingue daquele que é adotado para o requerimento de tutela cautelar requerida em caráter antecedente. Recebida a petição, o juiz – no tribunal, será o relator – exercerá a cognição preliminar, que consiste em verificar se a petição inicial preenche os requisitos legais (presença dos requisitos do art. 319, CPC/2015), se estão presentes os pressupostos legais, por exemplo, referentes à imparcialidade, competência, legitimidade, interesse e capacidade postulatória, entre outros. Se estiver em termos (de acordo com as exigências legais), examinará o pedido de liminar, caso contrário determinará que o autor (ou requerente) a emende no prazo de quinze dias (art. 321, CPC/2015). Não cumprida a diligência, o juiz indeferirá a petição inicial.

De regra, a tutela antecipada requerida em caráter antecedente, pela própria natureza, contempla pedido de liminar. Este será analisado de plano pelo juiz e será deferida se as provas da probabilidade do direito afirmado e do perigo da demora instruíram a petição inicial. Contudo, nada obsta que essa somente seja concedida em momento posterior, inclusive após a contestação, o que inviabilizará a estabilização que será tratada adiante.

Não sendo suficientes as provas para aferição dos requisitos da tutela cautelar, procede-se à justificação prévia, na qual é facultado ao autor arrolar testemunhas. Essa justificação, dependendo do risco de ineficácia da providência, pode ser feita antes ou depois da citação do réu. Dependendo do grau da probabilidade do direito afirmado, pode o juiz determinar a prestação de caução.

5) O aditamento da petição inicial e a citação do réu

Concedida ou não a liminar, deverá o autor aditar a petição inicial com a complementação da argumentação apresentada quando do requerimento da tutela antecipada, a juntada de novos documentos e a confirmação do pedido de tutela final. Não obstante as restrições constantes no art. 303, §1º, inciso I, como o demandado ainda não foi citado, nada obsta a que se complemente também a causa de pedir e dê novos contornos ao pedido de tutela final. Não se admite que altere a causa de pedir ou o pedido, mesmo antes da citação do demandado, sob pena de revogação da tutela antecipada, uma vez que se alteraria a base fático-jurídica sobre a qual se embasou o deferimento da tutela antecipada.

O prazo para aditamento vai depender se a tutela antecipada foi ou não concedida. Se concedida, liminarmente ou após justificação, o prazo para aditamento será de 15 (quinze) dias ou em outro prazo maior que o juiz vier a fixar (art. 303, §1º), tendo em vista a complexidade da causa. Caso entenda o juiz que não há elementos para a concessão e indefira o pedido de tutela antecipada, o prazo para aditamento será de 5 (cinco) dias. (art. 303, §6º). Não há razoabilidade para a distinção do prazo tendo em vista a concessão ou não da tutela antecipada. Pode ser que a tutela não foi concedida exatamente porque os elementos à disposição do autor são parcos, hipótese que demandará mais prazo para coligir todos os elementos. Tudo indica que a diferenciação soa como uma espécie de punição pelo fato de ter pleiteado e não obtido uma determinada tutela. Se assim for, o critério soa desarrazoado. Bem, a lei é dura, principalmente porque foge à racionalidade, mas é lei. Para aditamento da inicial: prazo de 15 dias ou mais para quem obteve a tutela antecipada; de 5 dias para quem não obteve.

Não realizado o aditamento, o processo será extinto sem resolução do mérito (art. 303, §2º), cessando-se ipso iure a eficácia da tutela antecipada concedida. O caso é de falta de interesse superveniente tácito. Quem não adita a petição inicial, inclusive reiterando o pedido do tutela final, é porque dela se desinteressou.

Feito o aditamento, o direito de ação do autor foi exercido na sua completude, então é hora de envolver o réu ou demandado na relação processual, por meio da citação. Daqui pra frente, no que respeita ao pedido de tutela final (resultado do pedido de tutela antecipada em caráter antecedente + o aditamento) os atos processuais seguem o procedimento comum. O réu é convocado, por meio da citação, para integrar a relação processual e intimado para comparecer à audiência de conciliação ou de mediação (arts. 238 e 303, §1º, II, CPC/2015).

Havendo autocomposição, o acordo é homologado e o processo extinto com resolução do mérito, substituindo o que foi acordado o conteúdo da tutela antecipatória eventualmente concedida. Não havendo autocomposição, inicia-se o prazo para contestação, seguindo-se o procedimento nos seus ulteriores termos, até a sentença final.

6) A estabilização da tutela antecipada concedida em caráter antecedente

Uma das diretrizes da reforma teve em mira a resolução da lide com menos processo. O objetivo visado com a instituição do procedimento da tutela cautelar antecipada em caráter antecedente foi a estabilização dos seus efeitos, que tem como consequência imediata a extinção do processo. Essa a razão por que se “autonomizou” o procedimento, aos moldes do que ocorre com a tutela cautelar requerida em caráter antecedente, mas com consequências imediatas sobre o direito substancial afirmado pelo demandante, que dele, uma vez estabilizada a tutela, poderá usufruir, sem experimentar os ônus do desenvolvimento do processo até a ocorrência da coisa julgada.

Pois bem. Concedida a tutela antecipada assim requerida – em caráter antecedente, por meio de petição incompleta –, a tutela pode tornar-se estável, dependendo da postura adotada pelo demandado, litisconsorte ou terceiro com legitimidade para impugnar a decisão.
A tutela antecipada assim concedida conservará seus efeitos enquanto não revista, reformada ou invalidada por decisão de mérito proferida em ação própria (304, §3º). Mas o que conservará os seus efeitos ou restará estabilizado? Apenas os efeitos da tutela concedida. Se a decisão foi para retirar o nome dos cadastros de proteção ao crédito, é esse efeito – que é um minus em relação à tutela declaratória de inexistência da dívida – que se torna estável se não interposta a ação no prazo de dois anos. Nessa ação revisional ou invalidatória, cujo prazo decadencial é de dois anos, deverá o réu se restringir a atacar os efeitos da tutela antecipatória concedida, por exemplo, contrapondo ao juízo de delibação levado a efeito pelo juiz, no sentido de que o débito já havia sido pago. O objeto é a tutela antecipada concedida, no exemplo dado, é o retorno do nome do autor ao cadastro restritivo de crédito, para tanto pode e deve se avançar sobre o objeto da cognição sumária – no exemplo a existência ou não da dívida. Se não ajuizada a ação revisional ou inavalidatória, o que resta estabilizada e, portanto, indiscutível é a retirada do nome do autor dos cadastros de proteção ao crédito em razão dos fundamentos adotados na decisão concessiva da tutela antecipada. O fundamento adotado na decisão concessiva da tutela antecipada foi a inexistência da dívida, que foi tida como paga, mas sobre esse fundamento não houve declaração, apenas cognição sumária. Sem declaração não há coisa julgada, uma vez que esta recai primordialmente sobre o objeto da declaração, abrangendo, via de consequência, os efeitos dela. Aliás, o próprio Código, no art. 304, §6º, deixa claro que coisa julgada não há. Assim, mesmo depois de ultrapassado o prazo decadencial da mencionada ação, não se pode falar em coisa julgada. Há estabilização irreversível dos efeitos da tutela. O nome do autor, em razão do fundamento adotado pelo juiz, não mais poderá ser inserido nos cadastros restritivos de crédito. Nada obsta, entretanto, que o réu, depois dos dois anos, observado o prazo prescricional, ajuíze ação de cobrança contra o requerente da tutela que foi estabilizada, invocando como fundamento a existência de crédito a seu favor. O fundamento, porque não foi alcançado pelos limites objetivos da estabilização, pode ser atacado para demonstrar a existência da dívida, jamais para promover a reinscrição do nome do requerente da tutela estabilizada nos cadastros restritivos de crédito. Uma vez condenado e transitada em julgado a decisão condenatória, poderá o nome do requerente da tutela estabilizada ser reinscrito no referido serviço de proteção ao crédito. A reinscrição não era possível tendo por fundamento a mera existência da dívida, com base em título extrajudicial, porquanto esta, com base em cognição sumária, foi reputada inexistente. Agora, pode-se proceder à inscrição originária, com base em outro fundamento, ou seja, a coisa julgada emergente da decisão condenatória.Segundo disposto no art. 304, caput, a tutela torna-se estável se não interposto o respectivo recurso. Respectivo significa competente, devido, cabível. Qual o recurso respectivo? Em se tratando de decisão em tutela antecipada, gênero de tutela provisória, o recurso cabível é o agravo de instrumento, nos termos do art. 1015, inciso I, CPC/2015. Assim, caso o réu não interponha agravo de instrumento, a tutela antecipada, concedida em caráter antecedente, torna-se estável. A mens legislatoris é no sentido de exigir o recurso como forma de evitar a estabilização. Trata-se de um ônus imposto ao demandado. Não basta contestar. É certo que a contestação o réu adquire a prerrogativa de ver a demanda decidida levando-se em conta também as suas alegações. Ocorre que na ponderação dos princípios da amplitude do direito de ação/defesa e da celeridade, o legislador optou por este, de sorte que, não obstante a apresentação de contestação, o processo será extinto sem resolução do mérito (304, §1º), porquanto não houve cognição exauriente, tampouco declaração de prescrição ou decadência. O que prevalece é a vontade do demandante. Se este, embora requeira a tutela antecipada em caráter antecedente, não diz que pretende se valer do benefício da estabilização, o procedimento prossegue rumo à sentença com base em cognição exauriente. A vontade do demandado ao apresentar a contestação é irrelevante. A ele foi imposto o ônus de recorrer ou então de ajuizar ação autônoma de revisão, reforma ou invalidação da decisão cujos efeitos foram estabilizados (art. 304, §2º).

Ressalte-se que sobre essa novidade há severas críticas na doutrina. É que ao possibilitar a estabilização da tutela antecipada na hipótese de o réu não interpor recurso contra o seu deferimento, o CPC/2015 estaria a incentivar a interposição de agravo de instrumento. Dessa forma, ao invés de dispor, por exemplo, que a tutela antecipada, concedida nos termos do art. 303, “torna-se estável se da decisão que a conceder não for interposto o respectivo recurso”, o CPC/2015 poderia ter inserido disposição mais genérica, de modo a permitir a estabilização da medida apenas na hipótese de o réu não se insurgir contra a decisão, seja por meio de petição simples ou através da contestação. Ocorre que essa não foi a vontade do legislador. Ao exigir a interposição do agravo de instrumento como forma de evitar a estabilização, quis o legislador desincentivar a irresignação injustificada. Embora não previsto no Código, é de admitir que a conduta do réu ao não recorrer implicará contrapartida a seu favor. Razoável interpretação sistemática levada a efeito por Fredie Didier indica no sentido de que, em não havendo impugnação, os honorários advocatícios serão limitados a cinco por cento e haverá isenção das custas processuais (art. 701, caput e §1º, aplicáveis por analogia)[1].

O prazo decadencial par rever, reformar ou invalidar a tutela antecipada é de dois anos, contados da ciência da decisão que extinguiu o processo. Concedida a tutela antecipada, o réu é intimado da decisão, iniciando o prazo de 15 dias – salvo a possibilidade de contagem em dobro – para a interposição do agravo de instrumento. Ultrapassado o prazo sem a efetiva interposição do recurso, o processo é extinto (304, §1º). É a contar da ciência dessa sentença extintiva que se conta o prazo decadencial. O dispositivo não menciona a natureza da extinção, mas tal fato não tem o condão de transmudar a substância das coisas. Não há cognição exauriente ou qualquer circunstância que autorize a concluir que houve análise do mérito (art. 487, CPC/2015), pelo contrário.

A ação de revisão ou invalidação da tutela antecipada estabilizada será instruída com os autos da ação onde deferida essa tutela. Para verificar a viabilidade da ação, qualquer das partes poderá requerer o desarquivamento dos autos em que foi concedida a média (art. 304, §4º). Se não houver necessidade de análise dos elementos constantes nos autos onde requerida a tutela antecipada, bastará que o autor, na inicial, requeira o apensamento.

A legitimidade para a propositura da ação é do autor ou do réu, devendo perquirir sobre o interesse do autor no caso de se ter concedido exatamente o que foi pedido no requerimento da tutela antecipada. Competente para essa ação de revisão/invalidação é o juízo no qual foi concedida a tutela antecipada. Mais técnico, em vez de prevenção, como consigna o §4º do art. 304, seria distribuição por dependência. No rigor doutrinário, prevenção não é critério de determinação, mas sim de modificação de competência.

7) Questões suscitadas acerca da estabilização da tutela antecipada

Desde o início da tramitação do anteprojeto Senado Federal, no ano de 2009, tenho rodado participado de discussões acerca dos institutos introduzidos pela novel legislação processual. No período da vacatio legis os debates intensificaram. Já ouvi de tudo. Há aqueles que levam o garantismo processual às últimas consequências e complicam de tal forma a aplicação desses novos institutos que acabam tornando o processo extremamente moroso, com grave comprometimento dos fins visados pela reforma. Destaco aqui algumas opiniões sobre a estabilização da tutela antecipada, instituto que, a par de potencializar a celeridade, retira do demandante parte do poder de ação e do demandado parte da amplitude da ampla defesa. Não é possível garantir todos os valores/princípios a um só tempo. Dúvida não há de que o legislador, sem aniquilar os direitos de ação e defesa, buscou a celeridade, assim, cabe à doutrina viabilizar a concretização do objetivo visado.

Dito isso, passo a enfocar a visão que considero mais construtiva sobre as diversas questões suscitadas acercada estabilização da tutela antecipada.

A extinção prevista no art. 303, §2º é distinta da prevista no art. 304, §1º. A primeira figura como ônus imposto ao autor pelo não aditamento do requerimento de tutela antecipada e tem como consequência a extinção do processo sem resolução do mérito e, por conseguinte, a imediata cessação dos efeitos da tutela antecipada concedida. A segunda figura como ônus imposto ao réu pelo fato de não ter interposto agravo de instrumento em face da decisão concessiva da tutela antecipada. A extinção nesse caso tem como consequência a estabilização da tutela concedida, além da preclusão endoprocessual.

A estabilização depende de três requisitos: i) concessão da tutela antecipada em caráter antecedente; ii) aditamento da inicial; iii) não interposição de agravo de instrumento.

Uma vez concedida a tutela antecipada requerida em caráter antecedente, a estabilização depende da postura do autor e do réu. Se o autor não aditar a inicial, o processo será extinto sem resolução do mérito, o que implicará revogação da tutela antecipada concedida, inviabilizando a estabilização. O não aditamento significa que o autor, embora tenha aderido à autonomização do procedimento da tutela antecipada, perdeu o interesse processual no desfecho do processo. O reconhecimento da ausência (ou da perda) desse requisito para prosseguimento do processo não fica ao alvedrio do réu. Ele foi intimado para aditar, não aditou, o caso é de extinção. Não cabe ao juiz, numa desmedida cooperação, indagar ao autor se ele pretende uma cognição exauriente. Se não emendou, pouco importa se o réu recorreu ou não. Irrelevante também é saber qual prazo escoou primeiro, se o prazo para o aditamento ou para interposição do agravo. A declaração de estabilização deve aguardar o escoamento do prazo para o aditamento a ser feito pelo autor, que tem início a contar da intimação para proceder ao aditamento, bem como do prazo para interposição do agravo de instrumento pelo réu, que terá início a partir da intimação da decisão concessiva da tutela antecipada.

A citação e intimação para a audiência de conciliação ou mediação somente ocorrerá após o aditamento.

Se o autor aditar a inicial e o réu não agravar, a tutela será estabilizada. Essa era a vontade do autor, que aderiu ao procedimento, para o qual era prevista essa consequência processual. Igualmente não cabe ao juiz intimar o autor para verificar se ele pretende o prosseguimento do feito, rumo à cognição exauriente. Essa manifestação já houve quando o autor escolheu o procedimento. A tutela será estabilizada e o processo será extinto. A instituição do procedimento teve em mira a redução e simplificação de procedimentos. O alcance desse objetivo é de interesse público, não podendo ficar ao talante das partes. Assim, não pretendendo o réu a estabilização, cabe a ele interpor o respectivo recurso. A mera contestação não basta, uma vez que o princípio da ação/defesa, aqui representado pela possibilidade de dar prosseguimento ao feito rumo a uma sentença proferida depois de uma cognição exauriente, cede em face do princípio da simplificação, da economia processual e da celeridade.

O não aditamento da inicial incompleta equivale à hipótese da não emenda da petição inicial defeituosa (art. 321, CPC/2015). No último caso, uma vez intimado, se o autor não emenda a inicial, o processo será extinto sem julgamento do mérito. Idêntica situação se passa quando o demandante adere ao benefício previsto no §5º do art. 303 e não adita a petição inicial. Repita-se: sem o aditamento, o processo torna-se inviável, o que acarreta a extinção sem resolução do mérito e, consequentemente, a revogação da tutela antecipada eventualmente concedida, pouco importando se o demandado agravou ou não.

Por fim, saliento que cabe aos juízes atender à vontade da lei. O excesso de garantismo, com criação de possibilidades, caminhos e faculdades não previstos na lei, porque atenta contra a celeridade por todos almejada, constitui manifesto atentado à segurança jurídica.

[1] DIDIER, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Vol. 2. Salvador: Juspodivm, 2015, p. 612 e 613.

Fonte GENJurídico por Elpídio Donizetti