A Relativização do Direito Real de Habitação:

Uma Análise ao julgamento do Recurso Especial 2.151.939/RJ

O direito real de habitação é um importante mecanismo de proteção jurídica conferido ao cônjuge ou companheiro sobrevivente, conforme previsto no artigo 1.831 do Código Civil. Este instituto visa assegurar que o supérstite permaneça no imóvel que servia de residência familiar, resguardando não apenas o direito constitucional à moradia, mas também os vínculos afetivos construídos no lar compartilhado com o falecido.

Contudo, como destacado em recente decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no julgamento do Recurso Especial 2.151.939/RJ, este direito não é absoluto e pode ser mitigado em situações excepcionais.

O direito real de habitação possui caráter vitalício e personalíssimo, garantindo que o cônjuge ou companheiro sobrevivente tenha uma proteção mínima após o falecimento do consorte. A sua finalidade social é clara: preservar a dignidade do supérstite e reconhecer a relevância do vínculo afetivo e psicológico com o imóvel que, além de residência, constitui um lar.

Embora a regra geral assegure o direito de habitação ao cônjuge sobrevivente, a jurisprudência do STJ admite que este direito pode ser relativizado em situações excepcionais. Segundo ao julgamento em análise, a relativização ocorre quando a manutenção do direito se torna desproporcional em relação aos direitos dos herdeiros e não atende à sua finalidade social.

Deve-se considerar fatores como as condições financeiras do supérstite e os impactos sobre os herdeiros. Caso o cônjuge sobrevivente possua recursos financeiros suficientes para garantir sua moradia digna e subsistência, a justificativa para a manutenção do direito pode perder força. Além disso, é necessário avaliar se a manutenção do direito causa prejuízos insustentáveis aos herdeiros, como a impossibilidade de usufruir de sua legítima herança ou de utilizarem o imóvel como residência.

No julgamento em questão, o STJ afastou o direito real de habitação do cônjuge sobrevivente ao considerar que a supérstite recebia uma pensão vitalícia de valor elevado, suficiente para sua manutenção e habitação digna. Além disso, os herdeiros, netos do falecido, residiam em imóveis alugados e não recebiam outras fontes de renda provenientes do espólio.

A análise casuística demonstrou que, neste contexto, a manutenção do direito real de habitação não apenas acarretava prejuízos desproporcionais aos herdeiros, mas também deixava de atender à finalidade social e protetiva do instituto.

A relativização do direito real de habitação reafirma a importância de um olhar humanizado e equilibrado na aplicação do Direito. Apesar de ser uma garantia fundamental para o cônjuge ou companheiro sobrevivente, a sua manutenção deve considerar o contexto social, econômico e familiar de todos os envolvidos. Esta decisão do STJ evidencia que o direito deve buscar um ponto de equilíbrio entre a proteção individual e os direitos coletivos, privilegiando a justiça no caso concreto.

Por Gisele Schmidt Fior – Advogada OAB/PR 118/277 | Bertol Sociedade de Advogados