Controle judicial dos atos administrativos no Brasil: fundamentos, formas e contexto histórico

1. Fundamentos do Controle Judicial

No Brasil, o controle judicial sobre os atos da Administração Pública é fundamentado no princípio da legalidade, estabelecido pela Constituição Federal. Esse princípio determina que todos os atos administrativos devem estar em conformidade com as leis e a Constituição, sob pena de serem declarados inválidos pelo Poder Judiciário. O controle judicial visa garantir que a Administração Pública atue dentro dos limites legais e constitucionais, assegurando a proteção dos direitos individuais e coletivos dos cidadãos.

2. Sistema de Jurisdição Única

O Brasil adota o sistema de jurisdição única, conforme previsto no artigo 5º, XXXV, da Constituição Federal, que estabelece que nenhuma lesão ou ameaça a direitos pode ser afastada do Poder Judiciário. Isso significa que todas as questões relacionadas à legalidade dos atos administrativos devem ser submetidas ao Judiciário, que possui a competência exclusiva para julgar tais questões, assegurando a uniformidade na aplicação do Direito em todo o território nacional.

3. Controle Judicial: Prévio e Posterior

O controle judicial pode ser tanto prévio quanto posterior à prática do ato administrativo. No controle prévio, o Judiciário pode atuar preventivamente para impedir que um ato ilegal seja praticado pela Administração, caso seja provocado por meio de medidas cautelares, como liminares em mandados de segurança. Já no controle posterior, o Judiciário avalia a legalidade do ato administrativo após sua execução, por meio de ações ordinárias ou específicas, como ações de improbidade administrativa ou revisão de contratos públicos.

4. Limites do Mérito Administrativo

A discricionariedade administrativa permite que os agentes públicos tenham certa liberdade para decidir sobre questões de oportunidade e conveniência na execução de políticas públicas. No entanto, essa discricionariedade está sempre delimitada pela lei. Isso significa que os atos administrativos discricionários devem respeitar os princípios constitucionais, os limites legais e os critérios estabelecidos para sua prática. Se um ato discricionário extrapola esses limites, ele pode ser anulado pelo Judiciário, que verifica se o mérito administrativo foi exercido de forma adequada e dentro dos parâmetros legais.

5. Formas de Controle Judicial

Existem diversas formas de controle judicial dos atos administrativos, cada uma com suas características e finalidades específicas:

  • Mandado de Segurança: Utilizado para proteger direitos líquidos e certos, contra atos ilegais ou abusivos da Administração.
  • Habeas Corpus: Garante a liberdade de locomoção contra atos ilegais que restrinjam esse direito.
  • Habeas Data: Assegura o acesso a informações pessoais em posse de órgãos públicos.
  • Mandado de Injunção: Visa suprir a falta de regulamentação de direitos e liberdades constitucionais.
  • Ação Popular: Permite que qualquer cidadão atue para anular atos lesivos ao patrimônio público.
  • Ação Civil Pública: Visa proteger interesses difusos e coletivos, como meio ambiente e consumidor.
  • Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI): Usada para questionar a constitucionalidade de leis ou atos normativos.

6. Súmulas Vinculantes e Reclamação

As súmulas vinculantes são decisões do Supremo Tribunal Federal que obrigam toda a Administração Pública, em todos os níveis federativos, a observar seu entendimento consolidado sobre determinada matéria. A reclamação é um instrumento utilizado para questionar atos administrativos que contrariem súmulas vinculantes, buscando sua anulação ou correção.

7. Sistema do Contencioso Administrativo

Em contraste com o sistema brasileiro de jurisdição única, países como França e Itália adotam o sistema do contencioso administrativo, que possui uma estrutura jurisdicional separada para questões administrativas. Essa dualidade de jurisdição permite que decisões da Justiça Administrativa tenham força de coisa julgada, sem necessidade de revisão pelo Judiciário Comum.

8. Histórico do Aresto Blanco

O Aresto Blanco, ocorrido em 1873, marca um ponto crucial na evolução da responsabilidade civil do Estado. Nesse caso, Agnès Blanco, uma criança brincando nas ruas de Bordeaux, foi atingida por um pequeno vagão da Companhia Nacional de Manufatura de Fumo, levando seu pai a mover uma ação de indenização. Este caso foi o primeiro a firmar definitivamente a condenação do Estado por danos decorrentes do exercício de suas atividades administrativas.

Antes desse precedente, predominava a ideia de irresponsabilidade estatal, onde o Estado não assumia responsabilidade por danos causados a terceiros durante a prestação de serviços públicos. Com o Aresto Blanco, a jurisprudência reconheceu que o Estado poderia ser civilmente responsável pelos danos que seus serviços causassem, iniciando assim uma fase de responsabilidade subjetiva.

Essa decisão não apenas transformou o panorama jurídico na França, mas também teve impacto global, influenciando o desenvolvimento da responsabilidade civil do Estado em diversos sistemas legais ao redor do mundo.

Por: Claudia Suman | OAB/SC 69.227 | Bertol Sociedade de Advogados