A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, por unanimidade, que o único imóvel residencial da herança, ocupado pelos herdeiros do falecido, continua protegido como bem de família e, portanto, não pode ser penhorado para garantir dívida deixada pelo autor da sucessão. Segundo o colegiado, a transmissão hereditária, por si só, não tem efeito de desconfigurar ou afastar a natureza do bem de família, desde que mantidas as características de imóvel residencial próprio da entidade familiar.
Uma família ajuizou ação cautelar de arresto contra a herança do ex-sócio majoritário de uma empresa falida, visando assegurar o pagamento de dívida de R$ 66.383,22. O pedido buscava o bloqueio do único imóvel herdado, sob o argumento de risco de venda pelos herdeiros antes da conclusão da execução.
O juízo de primeiro grau concedeu liminar para o arresto do imóvel e, na sentença, reconheceu a responsabilidade da herança, mantendo o bloqueio ao entender que, enquanto não há partilha, o patrimônio deixado pelo falecido responde integralmente pelas dívidas.
A defesa alegou a impenhorabilidade do imóvel, por ser bem de família, utilizado por dois herdeiros – um deles interditado e sem renda –, mas o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) manteve a sentença. A corte entendeu que, como o imóvel ainda estava em nome do falecido e não havia partilha, a proteção legal do bem de família não se aplicaria. Nesse estágio, o patrimônio herdado deveria continuar respondendo pelas dívidas deixadas.
Herdeiros se sub-rogam na posição jurídica do falecido
O ministro Antonio Carlos Ferreira, relator do recurso especial no STJ, destacou que o único imóvel utilizado como residência permanente da família é impenhorável, independentemente da natureza da dívida ou da execução. Segundo ele, essa proteção, prevista nos artigos 1º, 3º e 5º da Lei 8.009/1990, tem caráter de norma de ordem pública e só pode ser afastada nas hipóteses excepcionais do artigo 3º, que devem ser interpretadas restritivamente.
O relator ressaltou que os herdeiros respondem pelas dívidas do falecido apenas dentro dos limites de suas partes na herança, conforme o artigo 1.997 do Código Civil (CC), mas isso não afasta a proteção do bem de família. Se o imóvel era protegido em vida, continua protegido após a sucessão, desde que mantidas as condições legais.
Antonio Carlos Ferreira também observou que o princípio da saisine, previsto no artigo 1.784 do CC, determina que a herança é automaticamente transmitida aos herdeiros com a abertura da sucessão, fazendo com que assumam o patrimônio nas mesmas condições jurídicas do falecido: “Se os herdeiros se sub-rogam na posição jurídica do falecido, naturalmente também recebem as proteções legais que amparavam o autor da herança, entre elas a impenhorabilidade do bem de família”.
Reconhecimento da impenhorabilidade não extingue a dívida
O ministro esclareceu que o reconhecimento da impenhorabilidade não extingue a dívida nem exime a herança da responsabilidade patrimonial. A obrigação permanece íntegra e plenamente exigível, sendo apenas vedada a sua satisfação por meio da constrição do imóvel.
Segundo o relator, a impenhorabilidade limita o meio de execução, mas não interfere na existência do crédito judicialmente reconhecido. O credor mantém, assim, o direito de buscar a satisfação da dívida por outras vias legalmente permitidas, como a penhora de bens herdados que não estejam protegidos por lei.
Leia o acórdão no REsp 2.111.839.
Fonte: stj.jus.br
Por: Bertol Sociedade de Advogados