Novas tendências à justiça criminal negocial no Brasil

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Novas tendências à justiça criminal negocial no Brasil

Escrito por Bertol Sociedade de Advogados

31/01/2022

Ao longo dos últimos tempos o poder legislativo brasileiro optou por ampliar o dito espaço de consenso dentro da política de resolução de conflitos penais, visto as inovações legislativas trazidas pela Lei n. 13.964/2019, popularmente conhecida como “Lei Anticrime”, passando a possibilitar a instituição de uma legítima justiça criminal negocial dentro do ordenamento jurídico pátrio.


Essa tendência a ampliação do espaço de consenso dentro das linhas do processo penal nas democracias ocidentais é fruto da (de)mora de uma prestação jurisdicional efetiva e célere por parte do Estado-juiz, condizente com os anseios e frustrações da população mundial, que experiência a vivência da quarta revolução industrial em meio a nova era digital da tecnologia 5g.


Em resumo, a sociedade encontra-se hiper-acelerada e o direito penal luta para acompanhar sua atual velocidade, enquanto ciência social responsável pela proteção de bens jurídicos relevantes.


Nas palavras de Antonio Scarence Fernandes, professor titular de Direito Processual Penal da Universidade de São Paulo (USP), atualmente “há uma insistência na afirmação de que o processo penal é deveras formalizado, burocrático, com um procedimento de recursos infindáveis e que acaba imperando a impressão de impunidade sobre a resposta punitiva do Estado. Isso tudo é verdade. Não há como negar. Entretanto buscam-se justificativas para a efetividade da lei penal sem antes verificar que dos 30 (trinta) anos da Constituição, pouco se efetivou dos direitos e garantias fundamentais.” [1]


A ponderação realizada pelo autor revela o ponto de vista do senso comum acerca do processo penal brasileiro que é reconhecido em meio a sociedade, como instrumento punitivo burocrático e infindável, devido à demora do trâmite processual, e responsável pelo inchaço das Varas Criminais do Poder Judiciário em todo o país.


Há que se destacar que o modelo de negociação de sentenças criminais pode ser encontrado em diversos outros ordenamentos jurídicos estrangeiros, alguns países cujo o sistema de justiça é calcado no Common Law (sua principal característica é o julgamento baseado em precedentes criados a partir de casos jurídicos, e não em códigos como ocorre no Civil Law), a título de exemplo cita-se os Estados Unidos da América, país conhecido pelo sistema adversarial do Plea Bargain, a Inglaterra e Canadá, ou doutro lado no sistema Civil Law, o modelo de negociação alemão (Absprachen) e o italiano (Patteggiamento).


Neste norte semelhante, o Brasil aderiu aos caminhos do consenso (negociação de sentença) rompendo com a estrutura tradicional punitiva primeiramente no ano de 1995, através da promulgação da Lei n. 9.099/95 onde inovou com a previsão legal dos institutos da Transação Penal e Suspensão Condicional do Processo, passando a sinalizar um pequeno “flerte” com a justiça penal negocial, enquanto uma possível forma de resolução de processos criminais envolvendo delitos de menor potencial ofensivo.


Em que pese as pretéritas inovações legislativas que visavam barrar o avanço da criminalidade no seio social, constata-se que no decorrer das últimas décadas houve o exponencial crescimento das organizações criminosas no país, reflexo/consequência da falha política de segurança pública Estado brasileiro.


Frente a este horrendo cenário, como tentativa de redução para esse crescimento desenfreado os legisladores aprovaram a Lei n. 12.850/2013, que trata sobre organização criminosa, mediante importação do instituto da colaboração premiada ao ordenamento jurídico nacional, um importantíssimo instrumento jurídico no combate ao crime organizado. Porquanto, a Lei n. 12.850/2013 cuida acerca da parte mais sensível da justiça criminal negocial, pois aqui passa haver disposição expressa sobre a possibilidade do Ministério Público (Órgão Acusatório) em “acordo” com a Defesa do investigado, deixar de oferecer denúncia, como no caso do benefício previsto no art. 4º, § 4º, da referida Lei de Organização Criminosa.


Já nestes últimos tempos, seguindo a tendência de ampliação do espaço de consenso dentro do processo penal brasileiro, o acordo de não persecução penal (ANPP) foi introduzido no ordenamento jurídico nacional pela instituição da Lei n. 13.964/2019. Neste viés, o ANPP trata-se de instituto advindo da justiça criminal negocial estrangeira do modelo de justiça norte-americano Plea Barganing, anteriormente, já conhecido em normas internas do Ministério Público pelas Resoluções 181/2017 e 183/2018 do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), sendo de grande importância ressaltar o amadurecimento das referidas resoluções, proporcionadas por debates jurídicos no Supremo Tribunal Federal (STF), outrora questionando sua constitucionalidade/validade jurídica.


O acordo de não persecução penal como uma espécie de medida despenalizadora para resolução de conflitos envolvendo crimes de médio potencial ofensivo, emana desta tendência à ampliação da justiça negocial no campo do processo penal brasileiro, e passa acompanhar alguns institutos anteriormente previstos no ordenamento jurídico, como a transação penal e a suspensão condicional do processo, dispostas na Lei 9.099/95, além da delação premiada, presente na Lei 12.850/13.


Portanto, observa-se no Brasil que há uma atual tendência jurídica voltada para busca de uma célere prestação jurisdicional no tocante à resolução de conflitos criminais frente a expansão do modelo de justiça criminal negocial, versus o modelo tradicional/garantista do devido processo legal-constitucional, onde se oportuniza àquele cidadão alvo da máquina pública punitiva o exercício de seus mais caros direitos e garantias fundamentais – imprescindíveis num Estado democrático de direito.


Desse modo, muito embora a expansão da justiça criminal negocial se apresente ao ordenamento jurídico nacional como mais uma opção para a modernização da política-criminal, tem-se que os pressupostos para a propositura de seus institutos (ANPP, Delação Premiada, Transação Penal e Suspensão Condicional do Processo) devem ser pautados unicamente pela natureza objetiva, visto que a ausência de parâmetros legais para justificação da escolha subjetiva impeditiva de celebração de um acordo criminal, ocasiona em gravíssima arbitrariedade por parte do membro Órgão Acusatório que ainda dispõe de amplo espaço discricionário no processo penal.


Todavia, a favor ou contrário a ampliação da justiça criminal negocial, cabe à nós Advogados – enquanto defensores de nossos constituintes – buscar compreender e saber jogar as novas regras do “jogo processual penal” [2], haja vista que trata-se de importantíssima atualização legislativa em matéria penal que persegue a lógica da implementação eficaz de uma justiça restaurativa, priorizando a liberdade do investigado ao seu encarceramento, ao mesmo tempo em que se busca com o acordo (barganha criminal) devolver às vítimas e à sociedade aquilo que foi tomado pelo ato delitivo, de forma mais célere que a tramitação de um processo penal tradicional

Por: William Henrique Willms, OAB/SC 61.980

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[1] FERNANDES, Antonio Scarance. Processo penal constitucional. 7ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 207.

[2] MORAES DA ROSA, Alexandre. Guia do Processo Penal conforme a teoria dos jogos. 5ª ed. Florianópolis: EMais Editora, 2019.

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